página inicial        

 

Narrativa da evolução mutante do quadrinista e escritor e ator e diretor: O fazedor de experiências Lourenço Mutarelli! Do nascimento aos dias de hoje  Por: Viviane Fuentes

 

Sinopse de um nascimento: preto nanquim, vermelho sangue

Nascido Lourenço Mutarelli Jr. em 1964, filho do meio de Lourenço Mutarelli, no bairro da Vila Mariana, na capital de São Paulo. Um irmão e uma irmã. Hoje casado com Lucimar Mutarelli, união da qual nasceu Francisco e de sua relação adúltera com nanquim e bico de pena veio ao mundo uma série de personagens perturbados, hilários, melancólicos: anti-heróis no papel branco holandês.

 Infância rabiscada

Desenha desde a mais remota lembrança, com um ano de idade, rabiscara uma porta com textura especial, mas não sabe se ela existiu no papel ou apenas em sua mente... A gente lembra ou constrói lembranças? Está convicto de que o ser humano altera o próprio passado, valorizando ou minimizando partes da vida....- e cita a “Caixa de Areia” onde os desenhos discorrem sobre o tema: o que pode ser de fato-a-fato a lembrança?

O que ele foi quando era criança?

Triste. Alheio a onda. Valorização ou minimização de miúdos da infância?

Aos três anos de idade muda-se com a família para o bairro do Aeroporto, mas na pré-adolescência volta ao bairro que nascera, seu colégio está na Vila Mariana - mas não só ele. Algo mais especial, um canto secreto. A casa da avó materna que, atipicamente, tinha mais afinidade com o genro do que com a própria filha, ali é seu refúgio e Lourenço sente-se protegido do mundo e da violência do pai.

Um adolescente, uma ovelha, uma overdose

Na adolescência, sensível, não compartilha com muitos sua visão sobre o mundo. Tem ótica incomum do lugar comum aos demais. Entope-se de drogas, torna-se a ovelha negra de uma tenra família individualista e ganha a popularidade em pequenos guetos - crê que para isso serve a droga: para sociabilizar-se.

A autodestruição faz parte do seu dia-a-dia. Quanto mais se flagela, mais é considerado e respeitado por alguns poucos amigos.Vexame! Vai parar no hospital. Overdose? Overdose de quê? Overdose de quem?

Tem seu primeiro contato, sem saber, com um transgressor do Comix. Aos 11 anos de idade, através de um inocente comercial dos Calçados Clark, assiste na TV a animação toda inspirada nos desenhos do mestre do underground americano Robert Crumb, e adora!                             

Desenho de Robert Crumb

Proliferam-se personagens imaginários, o adulto sonha que está vivo

Chega aos anos 80!

Contagia-se pelo boom dos quadrinhos no Brasil; a tiragem de uma revista como a Chiclete com Banana é de 100 mil exemplares – em 88 publica seu primeiro fanzine.

Vive a época em que “layer” é “acetato” e “past-up” é “copiar/colar”. Faz cenário para o estúdio do Maurício de Souza. Aprende a se relacionar com a cor, todavia prefere viver num mundo menos fácil, mais sofisticado noir.

Estabelece uma relação passional com o nanquim. Dá vida a muitos personagens, dá água, dá tinta, dá abrigo, crava marcas de expressão nas criaturas.

Trabalha sem parar, produz em média 100 páginas de quadrinhos em 12 horas e já tem vários álbuns lançados, boa parte deles pela Devir Editora.

Percebe que as drogas são boas para o processo de criação quando se “sai” delas. Está apenas viciado em tarja preta. Descobre a síndrome de pânico com muita antecedência, bem antes dela se tornar moda, a partir de 2000.

Internet, computador: a dependência do bicho pré-histórico

Anos 90 a vista! Amigos jogam trabalhos fora em troca de um novo computador. Com a chegada da internet, o mundo pertence a programas como Photoshop, surge uma ferramenta facilitadora, mas um elo se perde à nova geração. Bico de pena vira raridade.

Personagem da HQ de Lourenço Mutarelli

Lourenço não quer nem saber de computador, não entende aquela máquina, não gosta. E-mails? Os recebe impressos.

Mas confessa: surge um novo achaque: Spider - jogo de cartas vulgarmente conhecido como Paciência. Para ele, o computador serve para isso. Spider é um tipo de entretenimento feito para esvaziar a mente. É a sua meditação. Fica sem dormir para jogar, invoca entidades para participar com ele.

Obcecado pelo jogo, deixa de produzir, deixa de fumar! Tudo isso para poder passar horas interruptas no teclado a  embaralhar as cartas, vidrado no écran. Por fim, põe um fim na esbórnia! Esse vício não vira!

Vida e Morte: entre uma tragada e outra de ironia!

Lourenço vive para fumar, acorda para fumar. Pode até ter nascido fumando! O prazer da tragada e da fumaça é incontestável.

De cada 10 amigos fumantes, 8 pararam. Alguns se arrependeram, outros entraram para o “clube geração saúde”... A ordem atual imposta é: ou fuma-se com culpa ou não se fuma! É ridículo, as pessoas que se dizem inteligentes fazer o que se manda! Imposição, ignorância e tirania. Está instalada a geração do não-cigarro e do adoçante.

Hoje o principal é morrer com saúde! – ironiza. Antigamente cachorro não podia entrar em shopping, hoje o fumante é quem fica do lado de fora, e eles entram com as madames.

O bico de pena se transforma em caneta e dança com as letras

O quadrinista entra no novo milênio a salvo... A Fnac é minha igreja e a música, minha religião. Ouve música  minimalista como mera fruição, óperas contemporâneas de Philip Glass, Villa-Lobos para violão... Quando ouço uma música que me emociona, quero escrever algo que toque as pessoas, da mesma forma que me tocou.

Opta a diminuir o ritmo de trabalho. Tem um insight ao olhar para o sofá. Havia seis meses que o comprara e se deu conta de que ainda não tinha sentado no novo móvel. A vida se vive de trabalho e de muito ócio.

Prefere não conhecer aos autores... Nada corresponde, na maioria das vezes, o artista é muito diferente do universo que cria. O ser humano geralmente tem um ego enorme, o artista mais ainda. O pior ego é o do músico, o do ator é o da criança.

Assina as ilustrações do filme Nina que tem como protagonistas Myrian Muniz e Guta Stresser. É a primeira vez que seu trabalho é dirigido... Foi bom e foi fácil. Não queria que meu trabalho contrastasse com o da linguagem cinematográfica, já vi resultados infelizes.

Quadrinista, escritor, diretor? O que se passa na cabeça de Lourenço Mutarelli ?

Ilustração de Mutarelli para o filme Nina de Heitor Dhalia (na foto a atriz Guta Stresser e Myrian Muniz em cena)

Reservado, se pudesse, seria o Homem Invisível. Não lhe interessa o mundo, nem a ilha, nem o planeta de bundas e caras. Pelo menos, ainda. Gentil, tem o ponto certo da ironia e um humor peculiar que sobrevoa a voz tranqüila.

Lança mais de 12 títulos e cansa-se dos quadrinhos... Não gosto de nada que vejo em HQ. Não sei mais quem eu sou. Sou um fazedor de experiências.

O universo da escrita se lança sobre o mundo de Lourenço. Lê alguns livros, entre eles Capão Pecado, e gosta da narrativa despretensiosa de Ferréz. Pensa: Por que não escrever? E confessa nunca ter pensado nisso antes!

Antes mesmo de Nina, escreve o primeiro romance “Cheiro de Ralo”, um mês depois os direitos autorais são comprados pelo diretor Heitor Dhalia e, quatro anos mais tarde, Selton Mello protagoniza e Lourenço atua no longa-metragem de mesmo nome - criador e criatura contracenam juntos... É gostoso brincar de interpretar.

Gosta da experiência de ser escritor e confecciona sua primeira peça teatral “O que você foi quando era criança?” e se sai muito bem. Concorre ao Prêmio Shell como melhor texto teatral em 2004.                                                           Mutarelli, Selton Mello e equipe de Dhalia na filmagem de "Cheiro de Ralo"

O amanhã!

Mutarelli anuncia os planos para o futuro...

Estou escrevendo uma nova peça teatral que pretendo dirigir, O Doni (o ator Donizete Mazonas) será meu alter-ego, quer ele queira quer não! - brinca

Afinal, Copa ou cozinha?

O fazedor de experiências não gosta de futebol, fica a ermo numa terra de zumbi. Futebol é algo muito elevado para mim. Enquanto ouve gritos e rojões, provavelmente está em boa companhia: Nanquim, Mia e Mentira, seus simpáticos gatos passeiam pela sala, abanam as caudas sinuosas e se aconchegam com ele. 

Desliga a televisão e, no conforto do sofá amaciado, pode ser que brinque com soldadinhos de chumbo com o filho, tome um café com a esposa, e daí venha a bendita idéia maldita para um novo personagem que terá a opção de viver preso nos quadrinhos ou solto nos palcos!

Texto de Lourenço Mutarelli

O circo acabou. As personagens não buscam o divertimento, o riso ou
a alegria. Elas buscam quase desesperadamente, através do consumo,
o confronto. Não há motivos para rir. O riso é apenas um espasmo.
É preciso acreditar em uma forma de salvação.
Deus não está morto, nunca nasceu.

O palhaço perdeu seu emprego. Nós estamos perdendo os nossos.
É obrigação do palhaço receber nossa arrogância.
O palhaço não é engraçado. Cabe ao palhaço engolir nossa fúria.
Daremos uma festa para um palhaço que não foi convidado.
Já não nos importa a felicidade, importa apenas parecermos felizes.

Dividimos o mesmo espaço. Estamos no mesmo barco, que sabidamente afunda. Só nos resta uma poltrona para que possamos, de forma contável, aguardar que as águas nos libertem.
Não para uma nova ou melhor existência mas, para vida nenhuma.
O palhaço enfia a cabeça no balde e a mantém submersa por cinco minutos. A água não mais purifica, apenas abafa o mundo.
Às personagens restam apenas lembranças.
Vagas, imprecisas, que não se compartilham, dividem o mesmo espaço no palco mas não no mesmo tempo.

HQ – Álbuns (Devir Editora – www.devir.com.br)

  1. Caixa de Areia
  2. Transubstanciação
  3. Seqüelas
  4. A Confluência da Forquinha
  5. Mundo Pet
  6. O Dobro de Cinco
  7. O Rei do Ponto
  8. A Soma de Tudo
  9. A Soma de tudo – II
  10. Entre outros...

Livros

  1. Cheiro de Ralo
  2. Jesus Kid

Cinema

  1. Nina – Direção Heitor Dhalia - 2004

  2. Cheiro de Ralo – Direção Heitor Dhalia - estréia prevista para o segundo semestre de 2006

Teatro

  1. O que você foi quando era criança? - 2005

Revistas

  1. Animal
  2. Cybercomix (internet)