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FALÉSIAS DE ETRETAT                           -uma locação cinematográfica!                                                         Por: Viviane Fuentes Fotos: Mathieu Gillot

                                       

Musa de escritores como Maupassant, Beckett, Victor Hugo, não me espanta que suas falésias tenham hipnotizado impressionistas como Monet, Boudin, e se emprestarem de cenário para um clássico policial da literatura francesa.

 

         Num pequeno vilarejo ao Norte da França, o vento gelado da Normandia pensa em revelar o ouro da região. Em dezembro há uma névoa no ar, o que impede de imaginar o espetáculo que está por vir ou que está para ver.

        As ruas da vila carregam nomes de célebres escritores que fizeram de lá um porto de inspiração. Sigo adiante e, em alguns minutos, me prostro. Vejo a baía de Etretat. Não dá para saber se suas falésias se afundam no mar ou se foi o mar que as ergueu.

        Fico petrificada, mas não pelo frio.

        À minha frente, um grande obelisco, escavado pela erosão do mar. Com o tempo nublado, o mar não é extraordinário, como dizem ser no verão, mas admirável - estudantes de artes plásticas e pintores revivem um pedaço do passado de seus mestres, com pincel e tinta, numa praia de olhar profundo, coberta de cascalhos - provavelmente vulcânicos. Em lados opostos, dois portos, o D’Aval e o D’Amont.

        Decido seguir pela falésia D’Aval, de onde estou não dá para ver o fim do horizonte, mas do outro lado, a gêmea, nem siamesa nem univitelina, me guarda feito farol. Singular, parece que o envelhecimento não preocupa as falésias de Etretat: a cada século que passa, suas escarpas ficam mais enigmáticas ainda.

        Subindo contra o tempo, logo se vê a Trou à l’homme, a falésia com um furo, um buraco no meio e na parte debaixo dela. Escuto alguns dizerem “Oh, c’est superbe à trou l'lomme!”, eu acho o buraco soberbo mas engraçado também.

        Seguindo mais adiante, avista-se a segunda, a Mannepport, tão pintada por Monet, seu arco é um braço que se derrama nas águas geladas e faz companhia a uma agulha-rocha, L‘aiguille, que deriva no mar a 500/600 metros de distância de Manneport. Entre L‘aiguille e eu, pássaros vertiginosos fazem vôos suicidas.

        A brisa é uma mão forte que me empurra para trás. Persistente, me inclino e sigo a descoberta: “Isso aqui é uma locação de cinema!”. Caminho em direção ao desfiladeiro e náuseas chegam de repente. Veja ao longe a terceira falésia La Courtine.

        Estou rente, mas não abusada, do penhasco de Manneport. Tenho súbita vertigem. Respiro fundo, olho à minha esquerda, do lado oposto do abismo, o extenso campo de golfe desafoga a tontura. Fotografo com os pés gravados na curta relva. Respiro fundo mais uma vez e, perplexa com a magnitude do local, minha cabeça começa a rodar um filme. Sinto um suspense no ar (talvez foi assim que Maurice Leblan começou a escrever L'Arsène Lupin). Black-out: 

 

1-falésia D’AVAL-externa-dia                                                              

RUIVA, uma mulher de 30 e poucos anos, nua, de pele translúcida, está na beira da falésia. O vento sopra forte, sacode seu cabelo e ouriça sua pele. Ruiva abre os braços. Detalhe das costas dela com hematomas e escoriações.

2-l'AIGUILLE-externa-dia                                                       

PONTO DE VISTA da RUIVA               Rápida e vertiginosa a câmera desce e faz um looping, rente aos granitos da falésia. Atinge a praia, volta e sobe.

VOLTAMOS A RUIVA.

Ela inclina o corpo para frente. Não vemos seu rosto.Notamos o colo escoriado. DETALHE de um pássaro que faz vôo rasante no céu nublado. A câmera volta e pára onde estava Ruiva. Não há mais ninguém. Apenas uma corrente de ouro com um pingente no formato de um brasão.

FADE IN

3-ARCO DE MANNEPORT-EXTERNA-DIA

FADE OUT

Som cortante funde com a música Insensatez na voz de João Gilberto.

Um corpo feminino parecido com o de Ruiva  flutua no mar, embaixo do arco.

4- PRAIA/ETRETAT- externa- dia

Espumas das ondas do mar cobrem e descobrem pés brancos e delicados. Um corpo nu, feminino, em decúbito dorsal, está estendido nas pedras da praia. As costas têm escoriações e hematomas iguais aos de Ruiva, mas os cabelos da morta são oxigenados. Aos poucos, alguns nativos se aproximam do corpo.