Se,
neste século, lêssemos uma matéria com o seguinte título
“arcanjo faz aparição para bispo” e nas entrelinhas dela
fosse explicado que o anjo pedia a construção de um conjunto
arquitetônico, o que pensaríamos?
E se o
arcanjo ainda desse detalhes de como deveria ser a tal
edificação e tocasse na face do interlocutor, cingindo-lhe
uma marca celestial, para dar idoneidade à aparição, o que
pensaríamos?
Num
mundo onde a fé se confunde com “desejo de compra” e o
limite entre o sagrado e o profano parece não estar muito
claro, nem pra quem dita nem pra quem é ditado, religiões
obtusas surgem com cultos estranhos a cada dia sem agregar
valor perene ao mundo.
Mas
não podemos negar o legado que a Igreja Católica nos deixou
no campo das artes, filosofia, arquitetura, antes ou depois
de Cristo, mesmo se desmoronando em escândalos seculares
recorrentes.
Erguido a pedido do arcanjo São Miguel que, no século VII,
fez uma aparição ao bispo de Abranches, Saint-Albert, o
Monte Saint-Michel é uma das provas "vivas" da contribuição
do catolicismo ao patrimônio cultural da humanidade.
Mito
ou realidade, o fato é que o crânio conservado de
Saint-Albert tem um furo na testa, marca do toque célico e a
“pequena igreja”, cripta com granitos sobrepostos, foi
construída, tornando-se efetivamente um lugar inclinado à
peregrinação.
No
decorrer dos tempos, milagres, tragédias, guerras,
incêndios, reconstruções, aumentaram o mito e enriqueceram a
história cuja seleta comunidade monástica desfrutava a
maestria do cenóbio. Mas ela também teve seus feitos.
Quando
os monges beneditinos assumiram a abadia no século IX e
ainda não havia a censura na
Igreja,
eles criaram as iluminuras, livros feitos em finíssimas
folhas de ouro e decorados, e copiaram importantes tratados,
como o de Aristóteles.
Em
1203, após um trágico incêndio, a devoção a São Miguel
aumentou ainda mais e a cripta inicial aumentou. Construíram
uma abadia de arquitetura gótica, o que atribuiu mais beleza
e perfeição àquilo que chamaram de “A Maravilha”.
Mas o
Monte Saint-Michel tem personalidade dupla. Quando a maré
sobe, na velocidade do trote de um cavalo, ele se
transforma em uma ilha. Quando a maré desce, se desencanta,
trazendo à tona perigosos bancos de areia movediça.
Porém
para a sorte de muitos peregrinos e visitantes, atualmente o
fenômeno das marés ocorre duas vezes ao mês em função da Lua
e, recentemente, foi construído um açude para facilitar seu
acesso – o projeto deve ser revisto em 2007, pois é falho.
Apesar
de ser em número menor, ainda hoje milhares de peregrinos,
movidos pela fé, continuam seguindo à ilhota montanhosa que
é um dos lugares mais visitados do mundo, ultrapassando a
casa dos 2 milhões de visitantes.
Ruas
estreitas, subidas sinuosas, escadarias longas, alicerçadas
pela mítica arquitetura medieval, leva o visitante a
conhecer e a contemplar um sítio antes restrito a um grupo
exclusivo de integrantes do monastério.
Na
abadia, um pátio com arcos e colunas góticas lembra um
labirinto, propício à meditação, o pé-direito alto, a
vocalize e ao canto. Depois de atravessar as colunas, vem o
regozijo ao deparar-se com uma bela vista para o mar.
Caminhando por suas ruelas, dá para reviver os cavaleiros
vestindo rústicas armaduras, cavalgando em época de guerra,
pois o Monte Saint-Michel já foi fortaleza militar e,
durante a Revolução Francesa, tornou uma prisão do Estado.
Atualmente, monges da ordem católica da Fraternidade de
Jerusalém, após séculos morando num vilarejo nas
proximidades, obtiveram a autorização para morar no
mosteiro, usufruindo de sua abadia.
Verdades e mentiras, milagres ou tragédias, é inegável a
maravilha deixada pela Igreja Católica, nesse pedaço da
França, munido das maiores marés e das mais drásticas
tempestades. Certamente ali jaz muita história, pagã ou não.
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