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, o diário de bordo que funciona de vez em quando!

Pseu de Outras Vezes

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12/01/2009 - Borracha na entrada de 2009!

04/12/2008 - Bastidores de mãe!

19/05/2008 - Na minha boca não!

18/03/2008 - O que nossas avós não contavam

17/10/2007 - Dublê da Mulher Maravilha Por: Vivi

23/08/2007 - O catador de papelão e a marvada pinga: pros lados é que se vai!

18/06/2007 - Cães dóceis, vizinhos raivosos

02/05/2007 - Pra quem não tem sobrenome de lastro, apelido!

09/04/2007 - Fila, cultura brasileira: em exibição...

05/03/2007 - Rugas, por  que não te quero?

07/02/2007 - Quem é a irmã bastarda?

12/12/2006                            Yerma do Agreste

18/01/2007                    Super gatos, galãs e gatos-gato!

08/10/2006                            Bulímica é a madrasta!

04/09/2006                            Sogras são colonizadoras

01/08/2006                     Cometo gafe, e você não?

01/06/2006                     Jack, meu vício, Ulisses, minha meta

15/10/2005               Comigo  ninguém Pod!

30/08/2005                        Um segredo, um touro, várias vacas

11/07/2005              Segunda-feira no parque

20/06/2005              Compras sem culpa não tem graça!

31/5/2005                      Tipos, publicidade e viva Gerard Depardieu!

11/5/2005            Champanhe e literatura

 

 

 

15/10/2005 - Comigo  ninguém Pod! Por: Viviane Fuentes

   Hoje, a caminho do trabalho, estou insuportável de metida com meu novo brinquedo: um aparelho menor que a minha mão, e um montão de música lá dentro. O som cristalino, através do fone, vai cair muito bem aos meus ouvidos.

    Aperto play e aparece a imagem da maçãzinha no pequeno monitor - estaciono, desço do carro e vou em direção ao metrô.  Toca uma música do Moby, e penso: “Meu, esse cara é muito legal, por onde eu andei?”

   Não andei para dançar nos últimos anos - a Love Story ainda existe? Andei por andar. No meu carro não tem rádio. Lembrei-me de uma garota que amava jazz por amar os jazzistas. Andei por andares. Quantos anos se passaram, desde a última vez que estive numa garagem a escutar rock contrabaixado?

   Entro no metrô, desço as escadarias, toca The Clash... Amo essa música!   The shareef don't like Rockin' the Casbar Rock the Casbar The shareef don't like it Rockin' the Casbar Rock the Casbar

    Para mim, ouvir música e escrever é como andar e mascar chiclete: desconcentro-me num piscar de nuvem. Andei escrevendo muito e ouvindo pouco. Nem Bah me fez escrever um conto ou resultar a tabuada! Mas observei bastante nessas andanças.

    Desço outra escada, essa é rolante, e percebo meu pé a chacoalhar e a tirar poeira do sapato no balanço do rock meio billy. De novo o refrão:  The shareef don't like Rockin' the Casbar Rock the Casbar

     Antes das sete da manhã, as cabeças estão apressadas. Sonolentas e mal humoradas seguem o mesmo ritmo da música que ouço -  seus casacos esvoaçantes dançam o balé do lavoro, o que os torna mais divertidos.

     Estou excitada com a minha redescoberta: o mundo é audiovisual. Não é em vão que o cinema é feito de sons e imagens, e como bem se completam! Sim, eu sempre soube disso, mas hoje especialmente, o sol não é cinza, ele é laranja, as árvores não sussurram em meus ouvidos, elas assoviam.

    O metrô pára na plataforma, a multidão se espreme feito laranja, cai na jarra de inox e é centrifugada ao ritmo da música - ouço Aplle, a performance da banda Cibo Matto é drôle... When apple leaves fall – You may feel something in your mind's eye - When the earth drinks in squall - You may plan to escape on the sly - não sinto meus pés no chão, deslizo na película, escorrego e afundo numa grande salada de frutas.

    Entro, sento num banco, no canto do vagão, ajeito a bolsa e os livros no colo - meu casaco oculta o tocador de música.    ♫ Shut up and eat, too bad no bon appetit, shut up and eat, you know my love is sweet!- como gritam!!

     — Não! Birthday Cake! - penso alto.

      A música risca o tímpano recém operado. Levanto o casaco, me atrapalho ao passar para a próxima música, todavia tudo é muito simples e funcional nesse tocador e, basta correr o dedo suavemente pela circunferência, o som abaixa y yá está...

   I'm a vagabond, I'm a vagabond My mom says, "You are kinky!" Who cares? I don't care! A horse's ass is better than yours Who cares? I don't care...

  Scratchhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr

    Algo me enxota do meu orbe audiovisual, sou ejetada para o mundo real, várias pessoas começam a olhar em minha direção :"Putz, Será que estou cantando a música, e alto?"

     Não, não é para mim que olham. Nem para o travesti que volta do trabalho, é algo ou alguém ao meu lado. Pensei em girar o pescoço, mas preferi que os olhares me contassem - como vício, tirei a música para não me desconcentrar:

       O primeiro evocou, o segundo congelou e o terceiro disfarçou. O quê? A piedade. A culpa esfumaçava na íris de todos os passageiros, desde a humilde senhora grisalha, como na estagiária de salto até o garoto com blusa e bermuda de skatista e sem o skate.

    Quis girar o pescoço, mas ainda não! Percebei o vulto de um homem negro. Eu estava, junto a ele, trancafiada pela julgo e comiseração dos passageiros num canto de vagão do metrô. Pensei: "Volto a ouvir música ou não? Imagino ou me atenho ao que tenho?"

     Em movimento, os trilhos gritavam algo incompreensível. Girei o pescoço. Ao contrário de todos que se mantiveram no ponto morto, dei a primeira marcha, mirando o réu. Era Casbah - assim eu o nomeei aquela manhã

    Casbah era um homem sem idade, magro e alto, e com rugas gagas. Esgalgado e de músculos firmes, portava consigo um pente de plástico verde, penteando os curtos fios pixaim de fungos esverdeados. Meus olhos dialogaram perfeitamente com o movimento obstinado de Casbah que ocupava quatro assentos de uma só vez.

    Em dois bancos, descansavam três sacolas grandes, plásticas e seminovas  - tudo dentro dela, estava hermeticamente embrulhado, era uma casa muito bem arrumada - num terceiro, o traseiro do próprio Casbah, e no quarto, ninguém se atreveu a sentar durante toda a jornada.

    O nômade agitava o pescoço numa atitude de negação e falava com alguém que, até eu sair do vagão, não havia identificado, e nem notou que eu estava ali, ou, pelo menos em momento nenhum se incomodou com a minha presença, com o meu olhar acordado a esmiuçar seus trejeitos.

     Insistia em agitar o pescoço e a pentear-se. Em três segundos, conseguiu repetir o ato de levar o pente até o cabelo, mais de dez vezes. Os cabelos não eram rançosos, a escovação frenética estimulava o couro cabeludo esquizofrênico.

    Em determinado momento, Casbah, interrompeu o que havia feito durante todo o percurso, e ajeitou as sacolas no colo como se fosse um filho, redondo, morno e gordo. Segundos depois, voltou-se a pentear.

     Duas estações, Consolação e Trianon/Masp, já haviam passado. Na Estação Paraíso, Casbah parou de sussurrar, relaxou o braço, ficou imóvel. Quando a porta abriu, arremessou o olhar para fora, as veias do pescoço sobressaltaram, pareceu estar entre a cruz e a espada, esperava alguém entrar, no tom dramático de seu olhar, um anjo ou a morte. Assim que as portas fecharam, voltou a se pentear em estado de convulsão e voltou a segredar.

    Uma voz ecoou soprando o nome Ana Rosa, era estação que eu deveria saltar. Pensei: "Cada louco faz como Pod". Levantei-me, apertei o player. Tudo era café com leite naquela manhã e, como todos os dias, seríamos devorados pela grande maçã.

    Lembrei-me de voltar à música tema do dia e sai do metrô,  sai dançando sem nenhum motivo ou motivada pela música motiva e emotiva do Clash....  The shareef don't like Rockin' the Casbar Rock the Casbar The shareef don't like it Rockin' the Casbar Rock the Casbar   (fim)