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Pseu de Outras Vezes

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12/01/2009 - Borracha na entrada de 2009!

04/12/2008 - Bastidores de mãe!

19/05/2008 - Na minha boca não!

18/03/2008 - O que nossas avós não contavam

17/10/2007 - Dublê da Mulher Maravilha Por: Vivi

23/08/2007 - O catador de papelão e a marvada pinga: pros lados é que se vai!

18/06/2007 - Cães dóceis, vizinhos raivosos

02/05/2007 - Pra quem não tem sobrenome de lastro, apelido!

09/04/2007 - Fila, cultura brasileira: em exibição...

05/03/2007 - Rugas, por  que não te quero?

07/02/2007 - Quem é a irmã bastarda?

18/01/2007                    Super gatos, galãs e gatos-gato!

12/12/2006                            Yerma do Agreste

08/10/2006                            Bulímica é a madrasta!

04/09/2006                            Sogras são colonizadoras

01/08/2006                     Cometo gafe, e você não?

01/06/2006                     Jack, meu vício, Ulisses, minha meta

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30/08/2005                        Um segredo, um touro, várias vacas

11/07/2005              Segunda-feira no parque

20/06/2005              Compras sem culpa não tem graça!

31/5/2005                      Tipos, publicidade e viva Gerard Depardieu!

11/5/2005            Champanhe e literatura

 

 

04/09/2006 - Sogras são colonizadoras Por: Viviane Fuentes

      Meu marido e eu. Meu marido e minha sogra. O filho dela e o meu marido. Ela e eu. Este pseu tem tantos "eus", tantos "meus" que já nem sei mais quem sou meu Deus!

     Depois do curso de férias que fiz em agosto, estou no talo. O escopo do workshop era "como cuidar bem do filho da sogra se o marido for seu ".

     Jesus, isso me enfraqueceu as bolas: doutrina, catequização, coffe break, mandamentos, ensinamentos, coffe break, meu peito e meu traseiro, coffee break!!

     Mas hoje à noite eu vou me vingar. Vou me acabar no rock’n roll, minha filha, já estou com batom diante do espelho, e não vou ficar à mingua! Quem é que disse que eu não viveria sem rixa?

(Cerveja, por favor! Quem eu sou? Eu fui a nora! Ouço um grito de pavor, de quebrar vidraças!)

     Sogras são colonizadoras. Querem transformar, nós noras, em sua imagem e semelhança. Não importa se as culturas ou religiões são iguais ou diferentes ou mesmo se há um oceano de distância entre as civilizações, sogras são todas iguais. Primeiro mundo. Colonizadoras. 

      Mas atenção, deixarei de ser apenas uma nora, para ser eu. Ou ter três dimensões. Ou na próxima encarnação, nascer em Júpiter para pilotar astronaves de última geração; descobrir novas e intrigantes galáxias; dedicar uma vida inteira ao estudo de plantas cósmicas. Reverter o superaquecimento global. Restaurar a camada de ozônio, salvar os pingüins. Alimentar a fome dos jacarés da Flórida, arranjar lugares, que não o Senna, para capivaras francesas viver...

      ...De volta à galáxia útero:

      Antes de as sogras serem sogras, elas foram mães e antes de as mães serem mães, elas são mulheres. Não sou mãe, nem sogra. Mas sou mulher. Eis um problema. A probabilidade de eu ir pelo mesmo caminho é a mesma de ir ao banheiro pela manhã, é o curso natural.

       Terra! Terra à vista.

      Não chame meu filho pelo sobronome, isso me incomoda - disse-me a mãe de meu marido. Respondo: “O marido é meu, a boca é minha.” Ela dá um sorriso polido, empina o nariz, reage com fineza diante à adversidade.

      Curiosa, amenizo: “Mas por que, qual é o problema?” Ela responde: No meu país, o sobrenome é a maneira formal de se chamar às pessoas... (ela não é da mesma nacionalidade que a minha) No meu também” – completo. (“And so what?”- penso em inglês, que não é minha língua nem a dela). Ela muda de assunto:

      O meu filho gosta de carne macia e bem temperada. “Alguém perguntou alguma coisa ?” Volto ao tema do nome e abandono o da carne. (“By the way...” – penso novamente em inglês).

       “Chamo todas as Gabrielas, Soraias, Isabelas, Luizas, Carolinas, Viviane, Marinas, de Marias. E aos homens, pelo sobrenome. Isso, para mim, significa afeto. Ela se esforça em sorrir. 

      Estamos na fila de embarque no Aeroporto Internacional de Guarulhos, o que impede de nos atarracarmos feito dois cachorros que se estranham. Ouvimos o famoso toque campainha aos viajantes aéreos.

      O alívio vai chegar. Basta respirar. Penso. Daqui a pouco, estarei ouvindo bandas a desafinar... O marido estressado sai para fumar. Paira um clima de elevador na fila que estamos. Relembro com mágoa.

      Ontem a sogra riu na minha cara – risadas não precisam de legendas - e disse em sua língua mãe que a combinação da minha roupa estava “detonante”. Era pejorativo. Anel e colar de cristal não combinam com chinelas havaianas.

     Sogra devia ser paga para não ter opiniões. “Detonante” é ela usar uma blusa com o ventre para fora. E agora, nesse exato momento, no aeroporto, de novo, a mesma risadinha!

      O filho chega. Ela pára de esticar os lábios com rugas. Finalmente diz o motivo da alegria. Dois palitinhos numa mesma cabeça é um exagero, um seria o suficiente.

      Oras, maria-chiquinhas são duas, por isso o plural. Os palitinhos que prendem meus cabelos são lindos, têm na ponta, delicadas e espetadas palhas e foram feitos por índios do Xingu - penso.

      Me diz, quase gargalhando, usando diminutivos, que pareço uma “indiazinha”, que ela jamais faria isso (colocar dois palitos para segurar o cabelo )! “Claro, na sua idade nem ia pegar bem, ainda mais com o cabelo curto!” – dou o golpe de misericórdia.

      Ora, Ora – relembro-a: “Sou uma mulher com personalidade e própria”  Eu também! - desafia-me feito criança para uma competição chula. Peço ao filho que oriente a mãe a se comportar como uma senhora.

     Sorrio. Imagino que alguém enfia um lenço com éter na boca dela e que ela dorme um sono eterno. Suspiro profundo. Dali a algumas horas, vou me acabar no rock’n roll no CB Bar. Lá na Barra Funda, vou afundar meu ódio no álcool, riscar um fósforo e ver o que rola.

     Imagina só que hoje pela manhã a mãe disse-me que o remédio que o filhinho estava tomando era a causa de tanto sono. Quanto imaginação tem as mães! - digo estupefata. "Você verá quando chegar a sua vez!".

      Pergunto: “Como sabe que o remédio (antiinflamatório) dá sonolência e que, quando está medicado por ele, não pode nem dirigir?” Li na bula. “Mas a bula está em português, como pode saber?” Silêncio. Silêncio. Silêncio. Ela não fala o português e, parece que agora, nem o francês. Silêncio. Silêncio.

     Sinto o cheiro do café, dou um gole. Deixo a faca com manteiga na mesa e escrevo em francês num pedaço de papel o seguinte recado: “Adorável sogra, seu filho dorme até tarde porque gosta de dormir... Com amor, sua nora”. Ela ri, mas eu sei que ri do meu francês - impecável para uma criança de seis anos.

     No aeroporto, todos caminham sem dizer uma palavra para o embarque final, abstraem-se olhando vitrines de lojas. Eu dedico minha atenção apenas à pista. A de fuga. Não vejo a hora de o avião decolar.

    Vou dar um gole tão grande de cerveja, quando deixar de ser nora, que não vai sobrar para ninguém - minha sogra diz toda vez que eu bebo um copo de cerveja: era preferível a água. Se bebo dois: que deselegância. Três: meu filho, sua mulher é alcoólatra?

     Mas hoje vou me acabar de dançar. Já ouço o som da bateria vindo de mãos jovens cheia de alento. Duas bandas irão tocar no CB. Maior rock’n roll. Vou extravasar. Me encher de alegria.

      A voz melíflua e feminina no alto-falante informa sobre o portão de embarque “imediato”. A sogra diz “girafa”. “O quê?” Com esses palitinhos na cabeça você parece uma girafa. Meus dentes se cruzam dentro da boca.

     Silêncio. Novamente o filho sai para fumar. Que lei é essa que não se pode mais fumar em aeroporto ou na frente da mãe? Silêncio. Grunhido. Silêncio. Silêncio. Grunhido baixa.

     É chegada a hora. Tenho os olhos cheios de lágrimas. Estou feliz que ninguém mais vai mandar na minha cozinha, me ensinar como lavar, como cozinhar, como descascar, como temperar, como não salgar... Enxugo os olhos de lágrimas não causadas pela cebola.

     Meus sogros entram no portão indicado e somem da nossa vista. Paz. Ilha no Caribe. Voltamos para casa, calados, desfrutando a paz, apenas o som do motor do carro. Marido e mulher: enfim sós. Partida. Engato primeira, segunda. Somos um país independente.

     É noite e, finalmente, estamos no CB Bar. O clima envolvente, cortina vermelha e aveludada no palco, gera um atmosfera underground. Juke-box, sofás vermelhos de curvim. Curti.

     Encostamos-nos ao balcão com alguns amigos, a casa tem boa cerveja de pressão importada, mas os meninos, cabeludos e bonitos, parecem ainda não saber tirar um bom chope. Peço uma cerveja nacional mesmo: barata e muito gelada.

     A primeira banda logo começa a tocar. Tem muito gatinho solteiro pelo local, tomo nota. O vocalista da banda desafina tanto, grita sem parar nas três primeiras músicas do “show-de-bolso”, tomo nota. Não sei se suas cordas vocais irão agüentar.

     Na quarta e penúltima música, a voz amacia, a performance da banda melhora. Reconheço o vocalista. Ele foi  namorado de um amigo e de uma amiga, ao mesmo tempo. "Que legal, mesmo cantando mal, está num palco com platéia. Que máximo!" - comento com uma amiga, parecendo uma groupie estúpida.

     Os roqueiros “desolados”, mas nem tanto, me fazem esquecer que sou casada. Continuo a observar, os jovens de hoje parecem tão mais interessantes que os de antigamente, pelo menos aqui nesse local - penso enquanto peço outra long-neck...e tomo nota.

      Na terceira, meio borracha, um garoto de olhos penetrantes me flerta, eu correspondo, mas ele não entende que é apenas um flerte. No final do show da segunda banda, aproxima-se decidido a me tirar para dançar.

    Ele nem se importa que eu estou acompanhada. Do meu marido. A coisa fica preta. Aproveito a deixa para pagar a conta e sair à francesa. Ele é um gatinho, mas já tenho o meu. Espero que não se magoe. Eu já tenho sogra. (FIM)